Por Dr. Miguel Afonso
Médico Gastrenterologista
Diretor Clínico na Gastroclinic
A obesidade, uma das doenças crónicas mais prevalentes no mundo moderno, tem implicações médicas, psicológicas e sociais. Não se trata de uma questão estética, mas de uma condição complexa e progressiva que exige uma resposta clínica estruturada. Esta epidemia silenciosa, exige uma abordagem multidisciplinar e multimodalidade, com estratégias que vão desde a prevenção à intervenção minimamente invasiva.
Como se define a obesidade?
Esta patologia é habitualmente classificada com base no índice de massa corporal (IMC), calculado dividindo o peso (em quilogramas) pela altura ao quadrado (em metros). Um IMC entre 18,5 e 24,9 é considerado normal. Entre 25 e 29,9 classifica-se como excesso de peso, e valores a partir de 30 correspondem a diferentes graus de obesidade:
- Grau I: IMC 30–34,9
- Grau II: IMC 35–39,9
- Grau III: IMC ≥ 40
A obesidade central (ou visceral) é caracterizada pela acumulação de gordura na região abdominal, sendo um padrão associado a risco cardiovascular e metabólico.
Consequências clínicas e psicossociais
A obesidade associa-se a várias doenças como a hipertensão arterial, diabetes tipo 2, apneia do sono, dislipidemia, doenças osteoarticulares e vários tipos de cancro, incluindo o cancro do trato digestivo. O impacto não se limita ao organismo: o estigma associado pode provocar isolamento, ansiedade e depressão, para além de limitar muito a qualidade de vida. Reconhecer que o excesso de peso é muitas vezes o resultado de fatores genéticos, hormonais, ambientais e psicológicos, sociais até, e não apenas de escolhas pessoais.
Abordagem terapêutica multidisciplinar
O início do tratamento assenta sempre numa avaliação clínica completa, incluindo despiste de causas hormonais e uma avaliação psicológica. A primeira linha de tratamento é baseada em mudanças no estilo de vida: reeducação alimentar, exercício físico regular e apoio psicológico. Este acompanhamento multidisciplinar deve ser realizado por nutricionistas, psicólogos e médicos especializados. Quando estas abordagens não são suficientes, podem ser considerados tratamentos farmacológicos (com medicamentos) como os agonistas do GLP-1, que têm mostrado bons resultados mesmo em doentes sem diabetes.
A endoscopia como ferramenta terapêutica
Nos casos de obesidade grau I ou II (IMC entre 30 e 40), as técnicas endoscópicas surgem como solução segura, eficaz e menos invasiva do que as alternativas cirúrgicas. Destacam-se dois procedimentos principais:
-Balão intragástrico: balão colocado no estômago, preenchido com ar ou soro, que induz saciedade precoce.
-Gastroplastia gástrica endoscópica: suturas internas que reduzem o volume gástrico, simulando o efeito da cirurgia, mas sem incisões externas.
Estes procedimentos funcionam como um 'recalibrar' do sistema de fome e saciedade, promovendo uma perda de peso sustentada e facilitando a reeducação alimentar.
Resultados e indicações
Os estudos científicos mostram que estas abordagens endoscópicas permitem uma perda de peso entre 15 e 20% do peso corporal inicial. Esta redução traduz-se frequentemente na melhoria ou remissão de doenças como a diabetes, hipertensão arterial e apneia do sono. Estas técnicas estão particularmente indicadas em doentes que não atingem os objetivos com medidas conservadoras, e também podem ser usadas na revisão após cirurgia bariátrica, ajudando a controlar a recuperação de peso sem necessidade de nova cirurgia.
Importância do seguimento e educação contínua
Como todas as doenças crónicas, a obesidade exige um acompanhamento regular. Mesmo após uma perda de peso bem-sucedida, o acompanhamento médico (e multidisciplinar) deve ser mantido. A educação alimentar, o suporte psicológico e o seguimento regular são fundamentais para evitar recaídas (reganho de peso). A mudança de estilo de vida continua a ser a base de sucesso de todo o processo.
Uma aposta na multimodalidade
As várias opções para o tratamento da obesidade não devem ser vistas como rivais ou mutuamente exclusivas. Intervenções dietéticas, farmacológicas, endoscópicas e cirúrgicas podem e devem ser complementares, servindo por vezes de ponte ou resgate em várias fases do tratamento, com vista a um controlo de peso sustentado.
Conclusão
Importa reforçar que esta condição deve ser encarada com seriedade, empatia e um acompanhamento personalizado e especializado. O estigma precisa de ser combatido e substituído por estratégias reais de apoio. As intervenções endoscópicas oferecem novas possibilidades de tratamento eficaz e seguro e devem estar acessíveis a um maior número de pessoas. É fundamental que a sociedade, os profissionais de saúde e os decisores políticos reconheçam a dimensão deste problema e se mobilizem para o enfrentar de forma integrada, para que se garantam ganhos em saúde reais nas próximas décadas.
junho 2025